Razões de Um Projeto

Eduardo Lourenço é uma das figuras mais destacadas da cultura portuguesa do nosso tempo. Esta afirmação, que dificilmente sofrerá contestação, parece justificar, por si só, a pertinência e a relevância do projecto de publicação das suas Obras Completas na “Série de Cultura Portuguesa” onde a Fundação Calouste Gulbenkian tem vindo a reunir alguns dos textos mais importantes da nossa cultura e do nosso pensamento. Contudo, é igualmente possível aduzir várias outras razões para justificar a oportunidade deste projecto que agora se inicia. Indiquemos, desde já, três das que se nos afiguram essenciais.

A especificidade de uma obra.

É sabido que o que poderemos chamar a obra de Eduardo Lourenço não coincide (longe disso) com o conjunto dos muitos livros que, desde 1949, tem vindo a escrever e a editar. Como tem sido posto em evidência pelos vários estudos que sobre o seu pensamento apareceram nos últimos anos, os ensaios de Eduardo Lourenço conheceram ao longo do tempo uma publicação muito dispersa e variada, tendo surgido aos olhos do público de múltiplos modos: jornais, revistas, actas de colóquios, livros colectivos, rádio, televisão, etc. Ora, se entendermos, como parece legítimo fazer-se, que, nessa multiplicidade de formas públicas de intervenção, há um nexo fundamental ou um estilo de pensamento que, mais do que uma unidade sistemática, permite reconhecer uma obra , então ganha fundamentação e sentido, e porventura urgência, a constituição deste projecto.

Uma obra (em grande parte) ainda inédita .

Um segundo motivo para a publicação das Obras Completas está intimamente vinculado a outra característica do labor intelectual de Eduardo Lourenço. É que muito dos escritos do ensaísta permanecem ainda inéditos. Estamos a falar não só do volumoso acervo de correspondência que Eduardo Lourenço mantém com outros protagonistas da cultura portuguesa contemporânea, como também do numeroso conjunto de textos que, pelos mais diversos motivos, não foi possível publicar até hoje. Neste âmbito, a publicação das Obras Completas não pode, evidentemente, ser dissociada do Inventário e Catalogação do Acervo de Eduardo Lourenço , projecto da responsabilidade científica de João Nuno Morais Alçada e realizado no âmbito do Centro Nacional de Cultura, que consiste precisamente na selecção, tradução e anotação de textos inéditos do ensaísta.

Um leitor da cultura portuguesa e do nosso tempo.

Por fim, importa destacar uma outra marca decisiva do percurso intelectual de Eduardo Lourenço. De acordo com as suas próprias palavras, toda a sua «vida foi passada a revisitar o discurso da cultura portuguesa». Ou seja, a obra de Eduardo Lourenço foi sendo construída em permanente diálogo com inúmeros outros autores, portugueses ou não, facto que faz dele também um leitor privilegiado da nossa cultura e até do nosso tempo. Por isso, justifica-se plenamente a opção que o próprio Eduardo Lourenço tomou (e não esqueçamos que, em última análise, será sempre ele o responsável primeiro e último destas Obras Completas ) de anteceder todos os tomos a publicar com uma introdução, redigida por um outro leitor que, assim, apresentará os textos reunidos em cada volume no quadro do núcleo temático correspondente.